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A violência sexista contra a mulher

  • Foto do escritor: Ligia Bertaggia de Almeida Costa
    Ligia Bertaggia de Almeida Costa
  • 20 de abr. de 2022
  • 5 min de leitura


Artigo escrito a quatro mãos por Ligia Bertaggia e Gabriela Sequeira Kermessi[1]


Já se foi o tempo de usar os famosos ditos populares “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, “roupa suja se lava em casa” e “mulher gosta de apanhar”, que naturalizavam a violência doméstica e o mau tratamento dado às mulheres.


Não cabe mais na sociedade atual comentários e comportamentos que diminuem a mulher em sentido amplo. Situações estas culturalmente naturalizadas que hoje não passam despercebidas!


A triste realidade das agressões físicas contra as mulheres, muitas vezes sofridas dentro de seus próprios lares, só cresce em nossa sociedade. Em especial, nesse momento pandêmico que nos assola, diante do isolamento social que nos foi imposto e de outras dificuldades que surgiram em razão disso, tais como dependência financeira e emocional, situações que paralisam a vítima para o ato de romper o ciclo.


Muito embora venha sendo mais combatida do que anos atrás e encontrando mais proteção no Código Penal e na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), as mulheres continuam sofrendo simplesmente por serem mulheres.


A Lei Maria da Penha surgiu em decorrência de uma série de atos de violência, até com tentativa de feminicídio da mulher[2] que lhe deu o nome, e que acabou ficando paraplégica em virtude de ações inescrupulosas de seu ex-marido nos idos dos anos 80.


Essa lei foi um marco na história da luta contra a violência doméstica, já que a definiu como crime e por ter sido (e ainda ser) uma das políticas públicas mais fortes voltadas à prevenção, punição e meio de erradicação das agressões (de todos os tipos) contra a mulher. É uma lei que inovou em muitos sentidos, pois criou mecanismos para conter e prevenir tais brutalidades, algo que não existia no ordenamento jurídico brasileiro até então. Hoje, após 15 anos de vigência da Lei, ainda encontramos dificuldades para sua aplicação, diante da falta de investimentos nas estruturas de delegacias da mulher, servidores capacitados e políticas públicas de acesso à informação.


Além disso, ampliou o conceito de família baseada no afeto, pois garante o mesmo atendimento para mulheres que estejam em um namoro, em uma união estável, em um casamento, em um relacionamento com outras mulheres, na convivência familiar com outros parentes (ou seja, tendo como agressor padrastos, madrastas, sogros(as), cunhados(as) ou agregados(as)), e, até mesmo, para transexuais que se identificam com o gênero feminino.


A lei modificou, significativamente, o processo civil e penal em termos de investigação, procedimentos, apuração e solução do caso de violência doméstica e familiar (comissiva ou omissiva) contra a mulher baseada no gênero, dispondo sobre medidas protetivas de urgência e de assistência a vítima, seus filhos e familiares, inclusive.


Com essa lei, a violência contra a mulher deixou de ser tratada como um crime de menor potencial ofensivo, acabou com as penas pagas mediante fornecimento de cestas básicas ou aplicação de multas, além de englobar a violência sexual, moral, psicológica e a violência patrimonial.


Após muitos anos do advento da Lei Maria da Penha, outras leis surgiram visando a proteção da mulher, como exemplos, as mais importante delas, a Lei 13.104/2015, que veio estabelecer o crime de feminicídio, como forma qualificadora do crime de homicídio, praticado contra a mulher em razão da condição de gênero (art. 121, VI, Código Penal), e no caso representada pelas hipóteses motivacionais do gênero quando o crime envolver violência doméstica e familiar (art. 121, VI, § 2º-A, inciso I, Código Penal) ou com menosprezo ou discriminação à condição de mulher (art. 121, VI, § 2º-A, inciso II, Código Penal); e a Lei 14.188/2021, que também alterou o Código Penal para inclusão do artigo 147-B, enquadrando efetivamente a violência psicológica como crime. Vale dizer que esse é o tipo de violência com maior dificuldade para comprovação e que sempre vem acompanhado de outros tipos de violência, em especial, da violência moral que, na grande maioria dos casos concretos, está atrelada à violência psicológica.


Mesmo com tantos esforços, no intuito de garantir a efetividade da Lei Maria da Penha e equidade de gênero, procurando minar qualquer possibilidade de que o agressor saia impune da prática da violência contra a mulher, ainda se faz necessário um esforço hercúleo geral, com mudanças na educação, no mercado de trabalho e em outros setores da sociedade, para que ela seja reprimida, diminua e pare de acontecer.


Por fim, destacamos que a violência em si é apenas o fim do ciclo violento, ou seja, o “fim da linha” ou próximo dele.


O trabalho para erradicação da violência de gênero terá efetividade e resultados visíveis quando a educação de homens e mulheres for prioridade, quando conseguirmos descontruir as ideias de fragilidade da mulher, hierarquização, dever de cuidado, imputação de instintos maternais, julgamento moral, liberdade sobre seu corpo e por aí vai.


A mudança está na educação preventiva e informação da sociedade, esse caminho pode e salva vidas!


[1] Gabriela é mãe, professora, advogada especialista em direito de família e sucessões e direitos da mulher. [2] Maria da Penha Maia Fernandes, a quem a lei homenageia, lutou por mais de vinte anos para ver seu agressor preso. Cearense, biofarmacêutica e casada com um professor universitário colombiano, foi vítima quase fatal da violência doméstica, que perdurou por anos e anos. A violência foi tamanha, que a tornou paraplégica ao sobreviver, em maio de 1983, ao tiro dado em suas costas, enquanto dormia, em umas das tentativas de assassinato covardemente cometidas pelo seu próprio marido. Apesar das investigações terem começado no mesmo ano e ter havido a denúncia na sequência, o marido agressor ficou por muitos anos impune, diante da morosidade da justiça brasileira, da sistemática conivência e da falta de instrumentos legais que possibilitassem a rápida apuração e punição desses crimes. Por isso, contando com ajuda do CLADEM (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) e do CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), Maria da Penha conseguiu denunciar o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que acatou, pela primeira vez, uma denúncia de violência doméstica, resultando na condenação internacional do Brasil. O Brasil foi condenado pela negligência, tolerância e omissão com que tratava os casos de violência doméstica contra as mulheres e, com isso, foi obrigado a cumprir algumas recomendações, dentre as quais, adotar políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, criando uma legislação adequada a esse respeito. Assim, o governo federal e um conjunto de entidades reuniram-se para criar um projeto de lei, o qual, após aprovado, por unanimidade, na Câmara e no Senado Federal, foi, em 07 de agosto de 2006, transformado na Lei Maria da Penha.



 
 
 

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