Dra. Ligia: pensão alimentícia inversa
- Ligia Bertaggia de Almeida Costa
- 15 de jan. de 2021
- 3 min de leitura

● ● Palavra de especialista: quando os filhos pagam aos pais
► A pensão alimentícia inversa àquela comumente pensada é a obrigação dos filhos para com os seus pais. Os pais podem ser credores de obrigação alimentar em relação aos filhos. Logo, da mesma forma que os pais devem prover o sustento dos filhos, os filhos também devem sustentar seus pais quando estes assim necessitarem.
A referida obrigação alimentar está vinculada à relação de parentesco, como estabelece o artigo 1696 do Código Civil, ao dispor que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes.
Nas palavras do mestre Rolf Madaleno*, entende-se por alimentos tudo o que seja indispensável para o sustento, habitação, vestuário, assistência médica, educação e instrução do alimentando (enquanto for menor de idade e ainda depois na maioridade, enquanto não tenha terminando sua formação superior profissional).
E a sua finalidade é assegurar a subsistência de quem carece de meios, protegendo o direito a uma vida digna e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa alimentada.
O direito a alimentos é reconhecido como um direito social, nos termos do artigo 6.º da Constituição Federal, lei maior essa que dispõe ainda, nesse particular, no artigo 229 que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Pelo Estatuto do Idoso, especificamente em razão do artigo 12, a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores.
Ou seja, vê-se que a obrigação de prestar alimentos tem causa jurídica na reciprocidade, na solidariedade e na responsabilidade que devem reger as relações familiares.
Reciprocidade
A reciprocidade é a potencialidade de solicitar alimentos uns aos outros; a solidariedade advém do dever de cuidado ao outro; e a responsabilidade é o dever de arcar pelos seus próprios atos e, também, em relação ao outro.
Dessa forma, importante ressaltar que a relação de parentesco por si só não cria a presunção de necessidade e obrigatoriedade.
No caso da obrigação alimentar em questão, não vigora o princípio da necessidade presumida, devendo o alimentando provar sua necessidade ou que esteja impossibilitado de trabalhar.
Portanto, para existir tal obrigação, são necessárias as comprovações do parentesco, da necessidade do ascendente e da possibilidade do descendente lhe pensionar.
Vale salientar, também, que a velhice por si só não gera incapacidade, devendo emergir a impossibilidade de o idoso custear seu sustento para justificar sua condição de credor de alimentos do filho.
Ainda, como o idoso pode escolher qualquer dos filhos, surge o direito de regresso do eleito para com os demais, condicionado, por óbvio, à possibilidade de cada um dos solidários.
Traduzindo: o direito de regresso significa que o filho escolhido poderá acionar o(s) irmão(s), em razão de ter sido unicamente acionado pelo pai.
Com relação à duração da obrigação alimentar, uma vez fixada esta irá perdurar enquanto houver necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante.
Além disso, é extremamente importante pontuar que, para existir o vínculo alimentar de filho para pai, o parentesco não pode vir dissociado dos laços afetivos construídos ao longo da vida.
Causa e efeito
Quero dizer o seguinte: a situação de abandono do genitor ao filho ao longo da vida excetua a obrigação em questão, já que impossibilita a verificação da causa jurídica do que estamos tratando, ou seja, é o corolário da famosa lei de causa e efeito.
Se o genitor não o sustentou, não o acolheu, dele não cuidou, não lhe deu amor, não lhe ofereceu carinho, cuidado, proteção e demais essencialidades ao seu desenvolvimento, não há como se exigir do filho a obrigação alimentar.
Esse nada de afeição e esse nada de cuidado têm o seu preço e ele é bem caro para muitos.
A inexistência do afeto impossibilita cogitar-se a solidariedade familiar e, consequentemente, a obrigação do filho pagar pensão alimentícia ao pai que lhe abandonou.
Solidariedade familiar
Sem o afeto, não há a caracterização da família. Sem a família, não há solidariedade familiar, muito menos o dever de assistência alimentar.
Nesse sentido, é o Enunciado 34 do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM: “É possível a relativização do princípio da reciprocidade, acerca da obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos, nos casos de abandono afetivo e material pelo genitor que pleiteia alimentos, fundada no princípio da solidariedade familiar, que o genitor nunca observou.”
Em suma, existe a obrigação alimentar de filhos para pais, mas ela não é presumida e depende de várias circunstâncias para ser determinada e seu cumprimento exigido.
Para mais esclarecimentos, sempre consulte um advogado especialista na área.
(*) Madaleno, Rolf. Direito de Família – 9.ª edição – Rio de Janeiro: Forense, 2019. pág. 1051
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